Capítulo 5: Arisugawa, a Colega ao Meu Lado

Num piscar de olhos, as aulas avançaram até o quarto período, e o sinal tocou anunciando o almoço. O som trouxe de volta algumas lembranças. Eu realmente estudava nesta escola. Era reconfortante ter essa certeza, mesmo que eu não lembrasse de ninguém. Parecia que minhas memórias estavam voltando aos poucos.

Ouvindo o som do sinal ecoar, tirei meu smartphone do bolso. Havia duas notificações.

“De Hina: Senpai, você conseguiu ir pra escola hoje?”

“De Asuka: Como você está se sentindo?”

Elas estavam preocupadas demais, não estavam?
Para tranquilizá-las, comecei respondendo as duas. Primeiro, respondi a Hina:

“De Yuki: Obrigado, vim mesmo tendo me atrasado!”

Esperei um pouco, mas não apareceu o visto. Apesar dela ter me mandado uns 200 LINEs, ela parecia estranhamente quieta hoje. Então respondi a Asuka:

“De Yuki: As aulas acabaram! Estou me sentindo bem! Hora do almoço!”

O visto apareceu imediatamente.

“De Asuka: Você está bem mesmo? Haha. Parece que sim.”

“De Yuki: Eu disse que estou normal! O que vai fazer no almoço?”

“De Asuka: O que você quer fazer?”

“De Yuki: Quero ir pra casa!”

“De Asuka: Essa não é a única opção, viu.”

Não consegui evitar dar um leve sorriso. Era estranho ser provocado por mensagem. Se passássemos o intervalo do almoço conversando assim, até que seria divertido. Mas parecia que Asuka tinha outra coisa em mente.

“De Asuka: Que tal almoçar com seus colegas hoje? É seu primeiro dia depois da reorganização das turmas, então mesmo sem considerar sua situação de memória, é importante se enturmar.”

“De Yuki: Sério? Estou muito nervoso. Não existe algum benefício especial onde a Asuka me explica tudo no primeiro dia?”

“De Yuki: Aliás, só descobri hoje que você tá na sala ao lado!”

“De Asuka: Foi mal por isso.”

“De Asuka: Conversar e almoçar juntos é ok, mas não era sua intenção confirmar as coisas com seus próprios olhos?”

Ao ler aquilo, meus dedos pararam.
Ela estava certa.
Em vez de depender da Asuka, eu deveria ver tudo por conta própria.

“De Yuki: Eu vou. Obrigado, tô indo.”

“De Asuka: Se cuida! Haha.”

Guardei o celular no bolso e levantei a cabeça com determinação.
Hoje eu veria, com meus próprios olhos, como eram as relações na minha turma. Não havia outra forma.


“Você não deveria ficar brincando no celular.”

“UWAH!”

Arisugawa se inclinou para a frente a partir da carteira ao meu lado, segurando um pirulito na mão direita. O cheiro doce se aproximou e eu recuei instintivamente. Ela piscou ao ver minha reação e depois sorriu, os lábios rosados formando uma curva suave que faria qualquer garoto perder o fôlego. A lembrança do beijo no hospital atravessou minha mente.

“Yuki-kun, por que você se atrasou hoje? Você é do tipo que toma um café da manhã decente?”

“N-Não, nada disso! Foi outra coisa!”

Balancei a cabeça com força.
Arisugawa inclinou levemente a cabeça.

“Você está com medo de algo?”

“Eu não estou com medo! Eu disse que só dormi demais!”

Voltei para minha mesa rapidamente e coloquei meus livros em cima. Arisugawa se levantou com naturalidade e veio para mais perto — tão perto que parecia que ela estava me atrapalhando de propósito.

“Ah, é mesmo?”

“Muito perto, muito perto!”

“Hehe. Você ficou curioso, né? Parece que eu também ia me atrasar. Aliás, saiu uma bebida nova no Starbucks hoje. Vamos lá beber juntos.”

“Impossível. Minhas faltas já estão perigosas!”

Recusei o convite absurdo — nada apropriado para um estudante — e observei a sala ao redor.

As reações ao comportamento de Arisugawa variavam. Alguns garotos olhavam fixo, outros sorriam.
Havia meninas conversando e meninas lendo sozinhas.
Os garotos… eram bem fáceis de entender.

Mas parecia que, depois de um mês na mesma classe, todos já tinham se acostumado com ela. Os garotos que estavam olhando logo voltaram para suas conversas.

Parecia rotina diária apreciar o “presente para os olhos” depois da aula.

Pelo menos por agora, ninguém parecia estar prestes a me atacar de ciúmes.
Provavelmente, antes de perder a memória, eu teria apanhado. Esse pensamento me veio enquanto olhava à frente — e foi então que meus olhos encontraram os de Yoko Yumemaki.

Foi coincidência, mas parecia que ela tinha olhado pra mim por um instante.

Ainda assim, não consegui desviar.
Eu queria agradecê-la pelo que aconteceu naquela manhã, então abri a boca:

“Yumemaki-san, obrigado por hoje cedo.”

Nenhuma resposta.

Ela simplesmente pegou sua marmita com uma mão e saiu da sala.

“Uhh… então ela me odeia…?”

Eu nem fiz nada.
Mas forçar uma aproximação na frente de todo mundo podia parecer inconveniente para ela.

Ser rejeitado por alguém que provavelmente era uma liderança na sala… sim, isso doía.
Eu estava ficando deprimido quando alguém puxou minha manga.

Quando virei, Arisugawa estava me olhando.

“Então, vamos?”

“Hã? Pra onde?”

“Almoço, claro. Aqui, pega sua marmita.”

Ela tirou minha marmita da minha mochila e sorriu.
Olhei para minha própria marmita.

—Perfeito.

Eu também tinha perguntas para fazer à Arisugawa.
Provavelmente havia vários rumores sobre ela.
Hoje era minha única chance de confirmar tudo com meus próprios olhos.

Assenti e peguei minha marmita. Recusei o pirulito.


◇◆

Caminhamos pelo corredor com as marmitas na mão. Os sapatos internos vermelhos indicavam que éramos alunos do segundo ano. Os veteranos do segundo ano olhavam para nós brevemente ao passar.

Aos poucos, os sapatos dos alunos que passavam mudaram para azul.

“Mesmo… sapato azul é de que ano, mesmo?”

“Hm… acho que é do primeiro ano. Mas não tenho certeza.”

“Como assim você não sabe?”

Era quase inacreditável ouvir isso de alguém do segundo ano.

Mas, sendo a Arisugawa, não era tão surpreendente.

Ela provavelmente não tinha o menor interesse no ambiente ao redor. Por causa de sua aparência chamativa, as pessoas sempre deviam se aproximar dela por pura curiosidade — o que devia consumir toda a sua energia social.

…Ou talvez ela simplesmente não se interessasse por ninguém.
Isso parecia bem mais com ela.

Pensando nisso, era estranho como ela aceitou tão naturalmente a situação de ter três namorados, mesmo sem conversar direito sobre isso. Talvez fosse só minha interpretação… mas era a impressão que dava.

Assim, atravessamos o corredor coberto e fomos do prédio leste ao prédio sul. Ao sairmos e subirmos a escada em espiral, o terraço surgiu ao alcance.

A porta estava trancada, então não podíamos ir até lá. Mas havia uma pequena área antes do portão onde duas pessoas podiam se sentar.

Arisugawa se sentou ali e esticou as pernas nos degraus.

Como se estivesse lendo meus pensamentos, ela disse:

“Ei, e se alguém vir a gente num lugar assim, onde ninguém aparece?”

“Não tem problema. Nós somos próximos desde o começo. E além disso, a Asuka-san não vem aqui.”

Ela disse isso sabendo exatamente que “alguém” se referia a “ela”.

“Mas… você tem certeza?”

“Sim. Afinal, esse é o nosso ninho.”

“Para de usar termos estranhos!”

Do quarto andar, podíamos ver o campo esportivo, mas não muito além dele.

Era uma vista simples, mas havia uma estranha familiaridade ali.
Eu não sabia se tinha estado ali com Arisugawa antes, mas parecia que sim.

“Então, já está se acostumando com a escola?”

“Não é cedo demais pra perguntar? Faz só algumas horas que eu voltei.”

“Parece que você não está muito adaptado.”

“Talvez só seu padrão esteja confuso…”

“Oh, não é isso.”
Arisugawa afrouxou a fita do uniforme e abanou o pescoço.

A roupa íntima preta aparecia de vez em quando, e eu desviei o olhar imediatamente.
Mas isso parecia suspeito, então fingi que estava procurando onde sentar.

Havia poucos lugares, então acabei sentando ao lado dela.

Arisugawa encostou a coxa na minha e disse:

“Hehe, bem-vindo.”

O cheiro doce entrou no meu nariz e eu pisquei involuntariamente.

“Arisugawa, por que você me chamou pra almoçar?”

“Hã? Que pergunta estranha. Porque nós estamos namorando, não é?”

“Não é isso. É… complicado você ter três namorados.”

“É, acho que é complicado mesmo.”
Ela disse isso sem qualquer preocupação e inclinou a cabeça.

“Então eu vou ser a sua guardiã, ok?”

“Guardiã?” repeti, e ela fez um “gu!” com o polegar para cima.

Aquilo era irritante… mas cada gesto dela era absurdamente fofo.

Não, foco.

“O professor também me pediu pra cuidar de você. Mas sinceramente, tanto faz eu estar com você ou não. Se fosse outra pessoa, eu teria recusado.”
Os olhos dela se suavizaram.

…Isso era perigoso.
O problema é que meu coração estava reagindo a isso, e isso sim era um perigo.
Forcei-me a responder:

“V-Vamos comer logo, ok? Rápido. Tipo um trem-bala.”

“Hm? Você tá apressado. Parece até que está com vergonha.”

“Não estou!”

“Hehe, claro.”

Dizendo isso, Arisugawa juntou as mãos.

Até o jeito casual dela dizer “itadakimasu” tinha um tom familiar que eu já tinha ouvido antes…
Nós realmente éramos muito próximos, eu e Arisugawa.

Com um sorriso animado, ela abriu a marmita — revelando um conteúdo luxuoso.

A marmita dos alunos geralmente era parecida.
Mas a dela chamava atenção — não pelo que tinha dentro, mas pelo próprio bento em si: uma caixa octogonal de madeira com divisórias também de madeira, em forma de diamante.

A minha, comparada a isso… era um plástico baratinho.

Ela abriu a tampa e lá dentro havia comida caseira, claramente feita com esforço amador. Misturada com comida congelada.
Eu realmente não queria comparar com o almoço dela.

Asuka tinha sugerido:

“Quer que eu faça o bento pra você?”

Mas quando pensei no omurice queimado que fiz ontem… me arrependi um pouco de ter recusado. Talvez fosse melhor ter comprado um bento pronto na loja.

“Itadaki!”

“HÁ!?”

De repente, um par de hashi veio por cima e pegou um dos meus gyozas congelados.

Arisugawa nem me deu tempo de impedir — já estava mastigando.

“Hehe, tá frio. É comida congelada, né?”

“S-Sim! Eu não sei fazer gyoza! Se eu quiser comer, só congelado mesmo!”

“Então vou pegar mais.”

Ignorando minha desculpa fraca, ela rapidamente pegou o refogado de carne com os hashi.

“Hmm, gostoso. Tem gosto da comida do Yuki-kun.”

“Ugh… para de elogiar. Como alguém que come um almoço de princesa pode achar gostosa carne comprada com 50% de desconto?”

"Nekkure-chan meee!"

"Fugoaa!?"

De repente, alguém apertou minhas bochechas com força, e eu quase escorreguei nos degraus da escada. Enquanto tentava proteger minha marmita, protestei:

"O-o que você está fazendo!? E se a marmita caísse?"

"Isso é importante pra você, né? Essa marmita."

"Hã?"

"Foi você que fez, certo? É o resultado do seu esforço… então é valiosa, não é? Algo importante pra você acaba ficando muito gostoso. Então não estou te elogiando à toa."

Dizendo isso, Arisugawa pegou um pedaço de karaage da marmita luxuosa dela.

"Alguns pedaços assim têm valor. É uma troca justa. Então aceite."

Ah não. Eu fiquei um pouco feliz. Não consegui evitar me sentir tocado pelas palavras dela, que reconheciam o eu atual.

"M-muito obrigado… Mas é óbvio que minha marmita é importante. Afinal, é meu almoço."

Quando entreguei minha marmita, Arisugawa riu e colocou três pedaços de karaage dentro…

Ela até aceitou minha resposta estranha com naturalidade, como se quisesse esconder meu constrangimento. Arisugawa tinha uma calma incrível.

Talvez o fato de estar envolvida com três namorados ao mesmo tempo tivesse moldado esse jeito dela.

"Arisugawa, posso te perguntar algo importante?"

"O que foi?"

"Você… você realmente gosta de mim?"

Ao ouvir isso, Arisugawa piscou devagar.

"Hmm, eu acho que sim. Como posso fazer você acreditar 100%?"

"Bom… eu não sei…"

Sem saber que resposta dar, fiquei em silêncio. Ela inclinou a cabeça.

"Quer fazer algo pervertido?"

"Idiota! Para de brincar!"

"Não é brincadeira. Nós estamos namorando, sabia?"

Arisugawa sorriu de lado e continuou me encarando. Seu cabelo preto acinzentado balançou, revelando a orelha. Os olhos grandes dela foram direto aos meus, como se me puxassem para o mundo dela.

"V-você… já fez isso antes?"

"Isso importa pra você?"

"Uh… bom…"

Entendendo o que eu quis dizer, Arisugawa sorriu com um arco no canto dos lábios.

"Nunca. Por isso achei que você fosse acreditar em mim."

Então eu não tinha encostado nela antes. Sinceramente, isso me deixou muito aliviado, mas não significa que agora eu não esteja nervoso.

"F-falar algo assim… mas…"

Enquanto eu tropeçava nas palavras, ela continuou:

"Quando acontecer de verdade, acho que você vai saber. Mas eu não posso te garantir nada."

Arisugawa acrescentou, “eu espero que aconteça”, observando minhas reações. Os cílios longos dela tremiam levemente.

"Você não tem medo de falar esse tipo de coisa assim tão fácil?"

"Não. O amor supera tudo."

Eu fechei a boca. Eu sabia que era errado, mas percebi que estava corando.

"Hehe, você é tão fofo."

"P-para de me olhar assim." Eu já não conseguia encarar os olhos dela e voltei minha atenção para a marmita.

Eu não sabia se gostava dela ou não. Mas eu tinha plena consciência de que ouvir aquelas palavras me deixava feliz.

"Ei, por que você começou a gostar de mim?"

"Hã? Isso é embaraçoso. Então você quer me ver com vergonha?"

Arisugawa riu baixinho e olhou para o céu claro.

"Eu queria saber se você me via como alguém sem atrativo."

"…Você gosta de mim porque eu parecia não estar interessado em você?"

Antes, eu tinha a impressão de que ela não demonstrava interesse por ninguém.

Parecia que ela ia responder, então eu esperei.

Arisugawa fez um leve aceno.

"Sim. Sabe, eu sou de uma das três grandes facções. Sou bem conhecida no meio social. Estou sempre cercada por pessoas que gostam de mim… ou que querem algo de mim. São raras as pessoas que não demonstram interesse nenhum."

Ela falava sem qualquer vergonha, como se estivesse cantando sua história.

"Mesmo quando me olhavam estranho, ainda me tratavam com respeito… mas você, você me tratou de um jeito totalmente diferente. Foi… confortável."

"Que motivo estranho… é assim que funciona o amor?"

"Hehe, às vezes sim."

Pela primeira vez, Arisugawa mostrou um sorriso tímido e voltou a comer.

Eu a acompanhei e coloquei um karaage na boca.

O suco do frango dançou na minha língua. Era delicioso.

O sol brilhava.

O vento leve da primavera acompanhava o calor em meu peito, e um momento pacífico se passou.

Pelo que parecia, Arisugawa sempre tinha muita gente ao redor dela.

Eu deveria ter sido o oposto.

Pensando no meu antigo eu, sem memória, comi mais da metade da minha marmita.

Quando olhei para o lado…

Arisugawa estava me encarando. Meu corpo endureceu.

Para esconder meu nervosismo, perguntei algo que estava em minha mente.

"Ei, a propósito… você falou sobre três facções. O que é isso exatamente?"

Eu tinha visto essa expressão no hospital, mas não dei muita importância. Contudo, segundo Asuka, existiam facções entre os grupos sociais da escola.

E já que Arisugawa se autoproclamava "rainha" e mencionava disputas de poder, eu queria perguntar diretamente.

"Oh? A Asuka-san não te explicou?"

"Bom, eu estava pensando em perguntar espontaneamente para alguém, mas desisti. Para ser sincero, talvez não faça sentido perguntar isso pra você, Arisugawa."

"Se não fizesse sentido, eu não te contaria nada."

"D-desculpa!"

Ela riu da minha reação.

Felizmente era uma piada.

"São eu, a Yumesaki-san e a Asuka-san. Nós três somos líderes de nossas próprias facções…"

"A-Asuka também!?"

Eu quase deixei minha marmita cair.

Yumesaki Yoko, ok, eu imaginava. Mas Asuka?

Pensando bem… Asuka chamava atenção facilmente. Ela era confiante, bonita, articulada…

Não era tão surpreendente assim.

"Mas o fato de serem chamadas de facções não significa que existe conflito. Então não tem muito pra explicar."

"Ah, que bom. Se fosse uma guerra escolar eu não ia saber o que fazer!"

"Isso aqui não é escola de delinquentes, sabe?"

Ela riu e terminou o camarão com rapidez.

Enquanto eu a observava, decidi perguntar mais uma coisa. Quando ela disse “conhecida na sociedade”, isso tinha me incomodado desde antes.

"Posso perguntar mais uma coisa?"

"Pode."

"Arisugawa… você é uma celebridade?"

Arisugawa, que não tinha mostrado incômodo nas perguntas até agora, arregalou os olhos. Depois que engoliu, deu um gritinho espontâneo:

"Hã!? Você só percebeu agora!? Eu já não tinha te dito?"

"N-não disse! Mas… ‘conhecida na sociedade’… parecia algo grande…"

Ela apontou para o bolso do blazer. Sem entender direito, ela disse casualmente:

"Pega meu celular."

"P-pega você!"

"Minhas mãos estão ocupadas. Olha, tem hashi numa e a marmita na outra."

Ela mostrou como se fosse uma prova incontestável.

Eu queria dizer "é só colocar na perna!", mas senti que ela já teria uma resposta pronta.

Suspirei. Estendi a mão.

"Com licença então…"

"Kyaaa, que ousado."

"Que resposta é essa, pelo amor de Deus…"

"Mesmo com essa pele impecável?"

"NÃO FALA ISSO DE VOCÊ MESMA!"

Bom, era verdade que a pele dela parecia refletir a luz do sol. Zero imperfeições. Dá pra ver que ela se cuidava.

Mas não era o foco aqui.

"Quer ver mais?"

"NÃO QUERO!"

Ela agarrou minha gola com a mão que ainda segurava os hashis e eu me encolhi instantaneamente.

Consegui pegar o celular dela. A capinha tinha um logo de marca famosa. Minhas mãos tremiam com medo de derrubar.

"A senha é 3154."

"Tão casual assim!? Mesmo sendo famosa!?"

"Você é meu namorado. Não tem problema. Vai, abre! Abre o Instagram e olha o meu perfil."

"Tá, tá… Instagram…"

(Saki Arisugawa)

(Seguindo: 205 — Seguidores: 245.605)

"…HÃ!? 245 MIL!? I-isso não pode… não pode ser real!?"

"Impressionante, né? Como esperado de uma modelo famosa."

"É inacreditável! Esse número é absurdo! Você é MUITO famosa!"

Eu finalmente entendi o tamanho da pessoa sentada ao meu lado. Minhas mãos tremiam.

Arisugawa sorriu com satisfação.

"Pois é. Surpreendente que alguém como você não tenha se intimidado comigo."

"Na verdade… será que eu não me intimidei e por isso a gente começou a namorar?"

"Não. Eu que te forcei a ser meu namorado."

"I-isso é… um jeito bem absurdo de falar…"

Será que nenhum garoto da nossa idade cedia a ela? Agora que sabia da fama dela, era possível.

"Será que tudo isso aconteceu por causa da Asuka?"

Quando soltei esse pensamento, Arisugawa inflou as bochechas.

"Ai ai… mencionando o nome de outra garota. Que homem insensível."

"Mas eu só…"

—Mas foi a própria Arisugawa que impediu o término, não foi?

Eu ia dizer isso, mas parei. No fim, tudo começou por culpa da minha versão do passado.

"Desculpa. Vou ter mais cuidado."

"Consegue adivinhar o que eu tô pensando?"

"Hã?"

"Você que interrompeu a gente de terminar. Mas se o meu eu do passado não tivesse envolvimento com tantas pessoas… ah, deixa pra lá. No final, você só quer manter uma boa relação com nós três, né? E aproveitar as coisas boas até sua memória voltar. Acertei?"

"A segunda parte tá ERRADA!!!"

"Então a primeira tá certa!"

"Céus, eu sou mesmo um idiota!"

Bati a mão na própria testa.

Quase bati minha cabeça com o telefone da Arisugawa, mas me contive.

Ela riu de novo e continuou:

"A verdade é que a parte dois também seria aceitável. Como você tá sem memória agora, não tem culpa de nada. Só aproveita."

"Não… eu ainda sou responsável. Mesmo sem memória. Pelo ponto de vista das pessoas ao meu redor…"

"Uau. Isso foi muito ‘herói de tokusatsu’. Tipo Kamen Rider mesmo."

"NÃO ZOMBA DE MIM!"

Mesmo que parecesse frase de herói, era meu pensamento real.

Respirei fundo e disse:

"A razão pra gente manter esse relacionamento agora é pra recuperar minha memória, né? A Asuka e a Hina… acho que elas entendem isso."

Arisugawa olhou pro lado por um momento, depois de volta pra mim.

"O que os médicos disseram sobre recuperar sua memória? Algum método?"

A pergunta dela trouxe de volta uma lembrança das sessões de aconselhamento.

"…Disseram que é importante estar no meu ambiente original. E… que fugir também ajuda."

"Entendi. Se você fugir de mim, quem sabe o que pode acontecer. Estar no ambiente de antes e sem estresse. Isso é o ideal. Vamos ficar juntos pra sempre então."

"NÃO É PRA SEMPRE! Eu consigo imaginar você me manipulando!!!"

Quando me virei indignado, Arisugawa puxou minha orelha de leve.

"Hehehe."

"O-o que foi agora?"

"Nada… é que… mesmo sem memória, eu acho que você continua sendo você."

"Por que acha isso…?"

"Porque você age como se não estivesse interessado em mim. Fica tímido quando é provocado por alguém tão bonita quanto eu. E pra ser sincera, eu também não tinha tanto interesse assim em você."

O tom indiferente dela fez eu piscar sem querer.

"Isso não é verdade."

"Por mim tudo bem. Eu me aproximei de você assim antes, então é só retroceder algumas casas."

"Hã?"

Ela jogou o cabelo pra trás da orelha, e o vento da primavera o fez balançar.

"Pra mim, não importa se sua memória existe ou não. Se eu puder continuar esse relacionamento com você, isso já é suficiente."

Ela sorriu de leve.

"Podemos começar do zero. E é vantajoso pra mim, sabia? Eu era a número dois. Eu sei que perdia pra Asuka."

"Só que… é estranho que nosso relacionamento tenha começado baseado nessas coisas de ranking… e nós aceitamos isso?"

"Pois é. Talvez você só não conseguiu me dizer não. Não faço ideia de como você convenceu a Asuka."

Sem esperar resposta, Arisugawa voltou a comer.

Parecia que ela não esperava realmente uma reação.

Eu também deveria dizer algo… mas me concentrei em terminar minha marmita.

E percebi.

Não responder, agora, era só fugir do estresse.

Apenas isso: fugir.

E ainda assim, Arisugawa não me pressionou por isso.

Ela me trazia para o ritmo dela, mas também respeitava o meu.

…Se isso não for atuação, então eu realmente tinha uma impressão errada sobre ela.

Por mais que parecesse egoísta, Arisugawa provavelmente era alguém que se importava com os outros.

"Ah, eu quase esqueci."

Ela murmurou casualmente.

"Você pode me pedir qualquer coisa."

Qualquer coisa. Normalmente isso incluiria limites lógicos, mas com Arisugawa… parecia que ela aceitaria até coisas fora do comum.

Então havia algo essencial que eu precisava dizer.

Respirei fundo e criei coragem:

"Nesse caso… posso pedir uma coisa?"

"O quê? Quer subir degraus rumo à maturidade?"

"NÃO! Eu… gostaria que você me tratasse como um amigo na escola."

"Um beijo?"

"QUE OUVIDO É ESSE QUE VOCÊ TEM!?"

"…Hmm. Que chato."

Arisugawa fez um biquinho e fechou a marmita.

"Se você ficar comigo, acho que vai ter muitas oportunidades pela frente. Aproveitar ou desperdiçar vai depender de você."

O intervalo estava acabando.

E assim, Arisugawa deixou para trás para mim — alguém sem memórias — palavras ambíguas que só tornavam tudo mais complicado.

◇◆

Eu gosto da atmosfera depois da escola. O corredor com as janelas abertas era refrescante. Bem mais confortável do que a sala de aula da Classe 2-3. Talvez fosse por causa da sensação de espaço aberto. Eu conseguia ouvir as vozes barulhentas dos clubes de esporte e a melodia tocada pela banda de metais no pátio da escola. Banhado pela luz alaranjada, deixei meu coração se acalmar.

"Como foi seu dia?"

Asuka, que se juntou a mim, perguntou isso. Mesmo sem termos nos encontrado na hora do almoço, minha amiga de infância me procurou assim que as aulas acabaram. Estávamos reunidos no corredor em frente à sala dos professores para cumprimentar nosso professor responsável.

"Ei, você tá me ouvindo?"

"Eu tô ouvindo. É uma pena que o professor não estava lá."

"Não é disso que eu tô falando!"

Resmungou Asuka, insatisfeita. Eu ri baixinho e pedi desculpas:

“Foi mal, foi mal.”

"Ah, tudo bem. Nós planejamos falar com o professor de manhã, mas como chegamos atrasados, nossa programação virou caos."

"Foi só falta de sorte com a viagem de negócios dele."

"Você vai ter tempo de sobra amanhã. Enfim, dá pra voltar ao assunto? Como foi seu dia?"

“Foi divertido!”

Assim que chegamos aos meus lockers de sapatos, respondi animado. O rosto de Asuka se suavizou em alívio.

“Fico feliz em ouvir isso.”

Enquanto dizia isso, Asuka caminhou até o próprio locker. Os sapatos dela ficavam alguns metros depois dos meus.

Eu troquei meus sapatos internos por tênis pretos. Olhei para eles — que não sujavam tão fácil — e deixei minha mente divagar.

Engraçado, né? Eu sei que tenho três namoradas, e mesmo assim estou bem tranquilo. Talvez por eu não ter consciência real das consequências das minhas ações… e também porque elas próprias aceitaram isso, suponho.

Com a minha perda de memória, talvez seja natural que minhas emoções estejam desajustadas. Mas esse tipo de relacionamento não pode continuar para sempre.

Ainda assim… é pesado demais decidir qualquer coisa agora. Então deixei isso de lado por enquanto. No final desta semana, eu tenho uma sessão de aconselhamento. Acho que vou conversar com a conselheira sobre isso.

“Demorei!”

“Ei, vamos pra casa?”

Coloquei a mochila no ombro e me virei de costas para os lockers. Ao sairmos do prédio, o pessoal dos clubes corria dando a volta na escola. Entre os garotos de uniforme esportivo, vi um rosto familiar.

“Oh, Takao.”

Ele era o garoto que sentava na minha frente. Corria com um grupo de meninos musculosos, gritando animadamente.

“Você já lembrou meu nome. Mandou bem, mandou bem.”

Disse Asuka, divertida, e Takao cruzou olhares conosco. Ele se separou do grupo e correu até nós.

“E aí, Sanada! Continuando com a rotina de casal com a Asuka, hein.”

“Continuando?”

Perguntei confuso, e Takao riu.

“É claro. Cês brilham tanto que dói nos olhos de um pobre coitado como eu!”

“Mas você não tá se dando bem com a Yumesaki?”

“Hã… não sei se dá pra dizer que estamos ‘nos dando bem’, sabe?”

Takao coçou a cabeça, parecendo desconfortável. Não era exatamente um sorriso genuíno — talvez houvesse algo a mais ali. Antes que eu dissesse algo, Asuka respondeu:

“Takao-kun, entre nós não é nada disso.”

“Hahahaha! Mesmo assim, ainda é brilhante demais! Ah, juventude… Se quiserem, deixem eu fazer parte também!”

“Sem chance, a gente nem é tão próximo assim.”

“Ugh, que grosseria! Dá pra ser mais gentil?”

Takao riu e olhou novamente para mim.

“Sanada, voltar pra escola depois de tanto tempo e ainda lidar com a tua memória meio bagunçada deve ser complicado, especialmente com a Yumesaki e a Arisugawa sendo… elas mesmas. Se precisar de ajuda, conte comigo também. Bem, o pessoal todo deve te ajudar, mas a gente senta perto, então é destino!”

“…Takao, você é um cara incrível, né?”

Ele colocou as mãos na cintura e estufou o peito como um galã.

“Claro que sou! Aliás, espalha pras garotas que eu tô solteiro e quero ficar popular! Se for você dizendo, eu tenho certeza que viro o queridinho delas!”

“Você é sincero demais! Fala isso de um jeito menos… desesperado!”

Ele mostrou os dentes num grande sorriso.

…Pelo visto, eu tinha uma boa reputação mesmo sem ter amigos. Como será que eu conseguia manter três namoradas sem ter ligação com ninguém? Essas duas coisas podem coexistir…?

Enquanto pensava nisso, continuei batendo papo com Takao — até que Asuka interrompeu, um pouco irritada:

“Desculpa atrapalhar, mas todo mundo já foi embora.”

Takao se virou.

“Ops.”

O grupo com quem ele corria já estava longe.

“Preciso ir! Até amanhã, Sanada!”

Ele disparou correndo com uma velocidade absurda. Como esperado de alguém do clube de esportes.

Minha impressão geral de Takao podia ser resumida assim:

“Ele é realmente um cara incrível…”

“É. Ele é estranho, mas… fico aliviada quando vejo ele perto daquela garota.”

Asuka sorriu suavemente enquanto caminhava. Se ela tivesse mostrado esse sorriso pra Takao antes, ele teria derretido. Mas por algum motivo, fiquei feliz que esse sorriso tivesse sido apenas para mim.

Assim como Arisugawa, Asuka também chamava atenção. Com o cabelo loiro claro e os olhos azuis, ela tinha uma presença capaz de rivalizar com modelos famosas. Diziam que ela era líder de uma das Três Grandes Facções.

Ainda me parece surreal que alguém assim se chame minha namorada.

“…Senhorita Líder das Três Facções.”

Asuka franziu o rosto como se tivesse levado uma pancada.

“Aaaah, que horror. Você já sabe!?”

“Explique, senhorita líder. Maravilhosa senhorita líder!”

“Cala a boca e para de me provocar! É vergonhoso fazer parte dessa palhaçada! Se você disser isso de novo eu te bato até perder a memória!”

“Que compensação é essa!? Desculpa, nunca mais digo!”

Ao contrário da Arisugawa, parecia que Asuka não tinha apego nenhum às Três Facções… Bem a cara dela. Diferente da Arisugawa, que parecia ter orgulho.

Pensei nisso enquanto passávamos pelo portão da escola — um diferente do que usamos de manhã — e um prédio menor surgiu à vista.

Era a escola secundária. Asuka havia me dito isso quando comentei mais cedo.

“A Hina-chan deve ter vindo de lá também.”

“Ah, a Hina. Deve ter sido assim que vocês se conheceram.”

Eles namoraram por seis meses, então fazia sentido. Deve ter sido por meio dessa escola que me aproximei da Hina no passado.

Asuka então falou comigo com um tom mais sério:

“Mas enfim, Yuuki…”

“Hm? O que foi?”

“Você acha que a Saki vai se comportar direitinho?”

“Hã? Se comportar…?”

Antes que eu pudesse responder, Asuka riu:

“Você também acha ela problemática, né?”

“Arisugawa-san. Vocês almoçaram juntos hoje, certo?”

“Almoçar…!?”

Meu corpo travou. Asuka me olhou como se estivesse avaliando minhas reações.

Enquanto caminhávamos e o bairro mudava, eu tentava parecer natural — sem sucesso.

“Por que você ficou quieto? Eu tô te perguntando.”

“Eu… eu só… almoçar…”

“Por que você tá tentando esconder? Só perguntei porque ouvi isso da própria Saki.”

“HÃ!?”

Eu não tinha entendido nada das intenções da Arisugawa — e soltei um grito estranho.

Sem perceber, juntei as mãos enquanto caminhava.

“Desculpa! É que… falar com outra garota na escola parece meio errado! Não por tentação ou algo assim… mas por… sei lá… instinto de sobrevivência…?”

“Por que você tá tão nervoso? Se for pensar assim, ter vários relacionamentos já seria errado desde o começo.”

“…Essa frase ficou bem estranha.”

“Cala a boca!”

Ela franziu as sobrancelhas e beliscou meu braço. Eu reclamei, e só então ela soltou.

Ela era uma namorada surpreendentemente sádica.

“A Saki é da comissão de classe. Não tem com o que se preocupar. E seja Hina ou qualquer outra garota, eu não ligo.”

“Hein? Então você já sabia disso… Bom, bom saber. Acho que vou pra casa então.”

“Não muda de atitude tão rápido!”

Ela me puxou pela nuca quando tentei me afastar.

“Eu sou a única que sabe que a Saki é da comissão. Então se ela pisar na bola, me avisa.”

“Pode deixar.”

Consegui me soltar e continuei falando:

“Mas você realmente não sente nada? Quero dizer, nós somos namorados…”

Eu pesquisei tantas vezes “ciúmes”, “três namoradas”, “relacionamento múltiplo” no meu celular que já nem contava mais.

“Eu não sinto nada. Bom… às vezes incomoda quando vejo na minha frente, mas se eu falar isso em voz alta agora, só vou te atrapalhar.”

Ela riu gentilmente.

“Falando nisso… o Takao não sabe, né?”

“Claro que não. Ninguém sabe da situação. Igual sua amnésia, não conte nada se não for necessário.”

Ela parou de andar. Fazia sentido — era pra proteger ela e as outras também.

Asuka deu um passo à frente, bloqueando meu caminho. Quando se virou, colocou o dedo indicador nos próprios lábios…

E tocou os meus.

“Entendido?”

“…Entendido.”

“Hehehe, ótimo.”

Ela sorriu e voltou a caminhar. Eu fiquei parado por alguns segundos até correr atrás dela.

“A propósito, quase esqueci de falar isso antes. Isso teria sido perigoso.”

Asuka colocou a mão no peito e suspirou, como se tivesse planejado dizer algo pela manhã.

“Seja sobre as Três Facções ou sobre coisas realmente importantes, me avise.”

“Mas você esqueceu tanta coisa que nem sabe mais o que é importante, né?”

Ela falou com suavidade.

…Bem, não é de se espantar que eu tenha esquecido inclusive que tinha três namoradas. Eu nem lembrava como tinha começado esses relacionamentos, ou por quê.

Fazia pouco tempo desde que me tornei o “eu” atual, mas meu passado parecia um conjunto de pensamentos que já não me pertenciam.

“Eu realmente esqueci tudo, né?”

“Não adianta dizer isso agora.”

Asuka riu.

No céu tingido pelo anoitecer, três corvos voaram juntos.

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