Capítulo 6 – A Rotina de Hina
Depois de acordar, alguns segundos depois, meus olhos se voltaram para o smartphone ao lado do travesseiro. Foi um movimento inconsciente, mas parecia algo que eu já tinha feito centenas de vezes antes. Talvez porque não fosse um hábito ligado às minhas relações humanas — esse pensamento talvez estivesse certo. Como esperado, havia várias notificações no Line novamente. Abri as mensagens que provavelmente chegaram ontem à noite.
— A primeira era de Arisugawa, minha namorada egoísta.
“SA: Quero sair no fim de semana.”
Assim como ontem, não tinha nada demais no conteúdo. O ícone mostrava a silhueta da Arisugawa — como esperado de uma modelo famosa. Mesmo por trás, era impossível não perceber suas proporções impecáveis.
— A segunda era da minha namorada mais nova, Hina.
“Hina: Já que não conseguimos nos ver ontem… quero morrer… Espero que a gente consiga se ver hoje.”
Um conteúdo um pouco mais pesado que o de ontem. O ícone era a foto de um cachorro — muito fofo.
— A terceira era de Asuka, minha namorada de infância.
“Asuka: Boa noite, você trabalhou bem hoje! Não se atrase amanhã!”
Uma mensagem cheia de preocupação comigo. Eu realmente apreciava aquelas palavras gentis. O ícone era uma foto dela sorrindo e fazendo um duplo sinal de paz.
Quando minhas memórias voltassem… o que eu sentiria ao ver essas mensagens?
Será que eu realmente valorizaria todas elas?
Será que eu tentaria consertar esses relacionamentos?
…Mas agora havia algo bem mais urgente do que esses pensamentos.
Uma nova mensagem de Asuka surgiu na tela.
Era a única enviada hoje de manhã.
“Asuka: Você já acordou?”
Por ser meu segundo dia fora do hospital, Asuka provavelmente passou o dia inteiro de ontem preocupada comigo.
Mesmo nossas salas sendo vizinhas, só uma parede já era o suficiente para diminuir bastante o tempo que passaríamos juntos.
Eu precisava compartilhar com ela como seria meu dia. Pensando nisso, deixei meus dedos correrem pela tela.
“Obrigado por ontem, e me desculpe.”
O motivo do pedido de desculpas era óbvio quando olhei pela janela.
Com um olho semicerrado por causa da luz do sol entrando pelas frestas da cortina, sussurrei:
“Já era.”
◆◇
Não era possível que Asuka não estivesse brava comigo por ter chegado atrasado dois dias seguidos.
Assim que atendi a ligação dela, um trovão caiu.
“Você! Eu não te avisei ontem?! A Saki cuida das tarefas dentro da escola, mas todo o resto é minha responsabilidade! Se você causa problemas como chegar atrasado, é eu quem leva bronca!”
“Eu realmente, de verdade, sinto muito! Eu coloquei o despertador, mas… algo aconteceu, e acordei no mesmo horário de ontem!”
“Isso NÃO é uma desculpa! Nem parece só um caso normal de dormir demais!!”
Faltavam apenas dez minutos para a aula. Eu ainda estava a uns trinta minutos da escola. Reduzi dois níveis no volume do celular enquanto a voz dela ecoava na minha orelha.
“Se você se atrasar de novo, eu vou raspar seu cabelo estilo buzz cut como compensação!”
“Isso é uma ameaça!! E o jeito que você usa a palavra ‘compensação’ é muito torto!!”
Levantei a voz sozinho. Era um castigo cruel demais para um adolescente. Se fosse algo que eu escolhesse fazer por vontade própria, ok, mas imposto? Nem pensar.
Asuka deveria estar me esperando no portão da escola desde cedo — completamente irritada.
“O professor não está em viagem hoje, então mesmo sem nos encontrarmos de manhã dá pra nos falarmos mais tarde. Sua missão hoje é conseguir chegar na escola normalmente. Consegue fazer isso?”
“Consigo! Já estou indo!”
A voz dela veio firme.
“Ótimo. Então estou indo agora. Se apresse e venha pra escola. Sem moleza!”
“Você não confia em mim nem um pouco, né?”
“Não confio!”
“Ok, ok! Já tô indo!”
Forçado pelo ritmo dela, até fiz uma pequena reverência.
“Chega disso! E não durma demais amanhã!”
Beep — a ligação caiu.
Será que ela conseguia sentir minhas emoções só pelo telefone…?
…Vou ter que pedir desculpas de novo mais tarde.
Guardei o celular no bolso e abanei a gola da camisa.
Talvez fosse só por causa da bronca da Asuka… mas meu corpo parecia quente.
“...Tá calor.”
Murmurei e segui meu caminho. O percurso era familiar.
Da minha casa até a Escola Yukizaki, eram cerca de vinte minutos margeando o rio e mais dez subindo a encosta.
Era comum ver gente correndo ou passeando com cães naquela hora, mas eu não via nenhum estudante.
Normal — afinal, eu estava atrasado. Mas ainda assim… ficar do lado de fora naquele horário dava uma sensação estranha.
Depois de alguns minutos, a tensão começou a passar.
Aquele caminho tinha o cheiro do rio. Era reconfortante.
A trilha ia ficando mais estreita até que, em certo ponto, mal dava pra passar outra pessoa. Então uma escada surgiu.
Depois de subir uns dez degraus, outro caminho largo apareceu, novamente próximo ao rio.
Eu podia ouvir a água correndo — um som agradável, embalado pelo calor do sol da manhã. Era quase sonífero.
“Hm?”
Então notei algo.
Uns dez metros à frente, uma garota de cabelo castanho curto, estilo bob, estava mexendo em algo enquanto olhava distraidamente para o céu, sentada num banco.
Não era algo que eu precisasse me intrometer… mas ela estava usando o uniforme da nossa escola.
Ela tinha tirado os sapatos e estava sentada de pernas cruzadas. Pelo ângulo, eu não conseguia ver o rosto inteiro.
Fiquei na dúvida, mas decidi passar direto.
Se ela estava ali naquele horário crítico… ela certamente tinha seus motivos.
Se fosse uma delinquente, então pior ainda.
“Ei… com licença!”
Assim que passei por ela, uma voz me chamou por trás. Meus pés pararam automaticamente — como se meu corpo tivesse reagido sozinho.
Me virei, hesitante… e a garota fitou diretamente meus olhos.
De longe eu não tinha reconhecido.
Mas era alguém que eu conhecia.
Ou melhor — era ela.
O que ela estava mexendo era só um chaveiro de personagem.
“Por que você me ignorou? Está sofrendo de amnésia de novo, senpai?”
Hina Fuegano me encarou com olhos grandes e lacrimejantes.
Se isso não contasse como habilidade social…
Bom, impressionante.
“Me-desculpa. Eu não te reconheci de longe. Bom dia, Hina.”
“Saudação sem graça!! Cadê o carinho!? Otakus precisam receber energia vital de seus favoritos de manhã!”
“Mas não teve chance pra isso! Eu tava no hospital, lembra?”
“É por isso que eu esperei tanto por hoje!”
“E você me esperou e acabou se atrasando!?”
Com orgulho absurdo, Hina estufou o peito.
“Claro. Eu fiquei segurando esse momento por muito tempo!”
…Assustador que ela parecia realmente sincera.
Ela soltou um sopro pelo nariz, arregalando os olhos castanhos.
Com tanta dedicação, uma dúvida surgiu.
Eu quase não mandava mensagens pra ela.
Talvez uma troca por dia, quando muito. Considerando a personalidade dela… era estranho que ela não enviasse várias mensagens por vez.
Afinal… ela era a mesma menina que, aparentemente, podia mandar duzentas mensagens em um único dia.
“Falando em segurar, nossas mensagens são bem normais. Até quando eu respondi ontem, você demorou um pouco pra ver.”
Hina piscou.
“B-bom…”
Por algum motivo… a imagem da Asuka atravessou minha mente.
Sempre que alguém hesita assim… sinto que algo absurdo está vindo.
“É que… eu não queria te incomodar, senpai. Mandar mensagem é o mesmo que esperar resposta… Eu fiquei com medo de te atrapalhar.”
“Por que essa humildade extrema!? Desde quando você é assim!?”
Reagi por instinto.
Até me senti mal por ter ficado esperando uma resposta bizarra.
Pensando bem… mesmo no pouco tempo em que ela ficou comigo no hospital, ela foi assim.
Hina tinha seus problemas — ela aparentemente aceitava meu namoro múltiplo, e gostava demais do namorado.
Mas ela nunca forçava nada em ninguém.
Ela só queria estar ao meu lado.
Eu não sabia se sentia algo romântico por ela agora.
Mas, como junior… ela era encantadora.
“Então… e hoje?” perguntei.
“Hehe, então deixa eu te contar. Ah, antes disso!”
Hina levantou do banco, calçou os sapatos e guardou o chaveiro no bolso.
Então ergueu os dois indicadores com os braços juntos e sorriu.
“Já que você iria pra escola de qualquer jeito, o horário não muda. Ou seja, se a gente for junto, eu passo um tempo com você sem te causar problema!”
“Faz sentido.”
De fato — sem desvios, sem atraso extra.
Enquanto Hina caminhava animada ao meu lado, tive uma ideia meio maldosa.
“Hina, eu… ainda tenho algo pra fazer antes de ir pra escola.”
Ela congelou.
E tremendo… me encarou.
“U-um… en-então… eu vou esperar mais um pouco no banco…”
E saiu correndo de volta para o banco.
“Calma! Tô brincando! Vamos juntos!”
Ela virou com um piscar de olhos confuso.
Mas com cada piscada, a vivacidade voltava ao rosto dela.
“Sim! Vamos juntos, senpai!”
Sem reclamar da brincadeira, ela se colocou ao meu lado.
Uma junior realmente obediente.
Será que o eu de antes realmente amava alguém assim? A pergunta coincidiu com a que fiz para Arisugawa… e decidi perguntar também para Hina.
“Hina.”
“Sim?”
“Por que você acabou gostando de alguém como eu? Por que tolera eu namorar várias pessoas?”
Hina, pela primeira vez, fez uma expressão de descontentamento.
“Não é como se… eu tivesse um motivo específico. Hm… acho que eu admirava um senpai que era confiante e se destacava mesmo estando sozinho. Não é que eu tolero seu namoro múltiplo… eu só… me sinto honrada de estar entre as três facções principais.”
“…Eu não entendi nada. Então… como acabamos juntos?”
“Simples. Eu me declarava pro meu favorito todo dia. Um dia, você só disse: ‘Tá bom’. Deve ter sido chato lidar com isso… mas no fim, deu tudo certo.”
…Soou como uma solução improvisada.
O ideal seria eu ter recusado na época. Mas pelo visto, o eu de antes não saberia fazer isso.
Era esse tipo de pessoa — alguém com várias namoradas.
Suspirei e olhei as paisagens ao redor.
O vento balançando as árvores. O rio correndo.
O cheiro da primavera. E uma sensação sutil no ar — a presença da escola se aproximando.
Esse sentimento… sem dúvida era algo das minhas memórias antigas.
Mas não estava na minha personalidade atual. Parecia deslocado. Algo que ninguém entenderia se eu tentasse explicar.
Se eu estivesse sozinho, essa sensação estranha provavelmente me assustaria.
E o mundo pareceria sufocante.
Meus relacionamentos com essas três garotas eram tortos… mas eu definitivamente havia sido salvo por elas.
Porém… ainda havia algo que me incomodava: as relações criadas por um “eu” que eu não lembrava.
O vento soprou.
Hina ergueu o olhar timidamente para mim.
“...Senpai? Hm… é… um…”
“O que foi? Respira.”
Ela travou como um robô falhando e respirou duas ou três vezes.
Então reuniu coragem — e falou.
“É que… comparada à Asuka-san ou à Arisugawa-senpai… tem muita gente mais confiável do que eu ao seu redor.”
Hina apertou as mãos contra o peito.
“Mas mesmo assim, eu sou a que mais te apoia… E mesmo que tenha momentos em que você não possa depender de ninguém… eu vou estar ao seu lado. Sempre.”
A voz era fraca — mas firme.
Ela provavelmente guardou aquele sentimento no peito por muito tempo.
“…Por quê? Eu nem me lembro de nada agora.”
“Bom… é parte das minhas atividades de ‘oshi’. É natural querer ser força para o meu favorito.”
Amor incondicional.
Ela chamava isso de “apoio ao oshi”.
Ela dizia que isso não resolveria nada…
Mas quando você está prestes a desmoronar… ter alguém ali pode te salvar.
Quando acordei no hospital.
Quando vivi lá.
E quando cheguei em casa.
Se todos esses momentos tivessem sido solitários… eu talvez não suportasse.
Agora eu entendi claramente.
Será que o eu do passado agradecia essa garota todos os dias?
…Provavelmente não.
Dá para deduzir isso pelas conversas com Asuka e Arisugawa.
Então, pelo menos agora… eu diria o que sinto de verdade.
“…Obrigado. Só de você estar aqui… isso já me salva.”
“Ehehe.”
Hina então pigarreou, hesitou alguns segundos e falou:
“Ah… Senpai… eu não consegui dizer isso antes…”
“Hum?”
“É que… seu zíper está aberto desde antes.”
“Você podia ter avisado antes!!”
Corri para fechar o zíper completamente aberto.
No meu segundo dia fora do hospital… não sei se era um bom sinal ou ruim.
Mas enquanto pensava nisso, vi Hina pulando ao meu lado — feliz, leve — olhando para o céu azul sem nuvens.
◆◇
"Tarde de novo, hein?"
Assim que a aula terminou, Arisugawa — que se sentava ao meu lado — sorriu de canto. Desde que voltei, não consegui chegar no horário nem uma vez para a primeira aula, então não encontrei nenhuma desculpa boa o suficiente.
"Eu… tive um imprevisto."
Murmurei, procurando por alguma justificativa. Arisugawa riu baixinho enquanto guardava o livro didático na mesa.
"Ah, é? Que tipo de imprevisto?"
"É que… meu despertador não tocou!"
"É mesmo? Bom, acho que isso não dá pra evitar."
A resposta dele foi completamente diferente da Asuka, o que me fez piscar confuso.
Mas então Takaoka, que sentava na minha frente, entrou na conversa.
"Ei, ei, não tem como isso não ter motivo, né? Se o Sanada pode faltar com uma desculpa esfarrapada, eu também quero!"
"Hmm, pode até ter situações assim."
Arisugawa sorriu para Takaoka. Takaoka se virou com um livro na mão e comentou:
"Arisugawa, você é muito bonzinho com o Sanada. Aposto que ele só dormiu demais, como qualquer um."
"Isso eu já ouvi de uma certa amiga de infância…" respondi. Takaoka sorriu de leve.
"Bom, faz sentido. O Minato parece confiável, mas tem umas falhas engraçadas também."
Lembrei do omelete completamente carbonizado… e reagi sem querer.
Takaoka apenas comentou, despreocupado:
"Amigas de infância são ótimas, né?"
Yamato Takaoka: cabelo castanho escuro num corte moderno, ar atleticamente descontraído e uma vibe refrescante.
Na aula anterior tivemos uma atividade em grupo, e mesmo eu só observando a maior parte do tempo, Takaoka sempre me puxava para participar. Minha impressão dele desde ontem estava correta:
Ele é absurdamente sociável.
Takaoka então virou para Arisugawa:
"Falando nisso, Arisugawa, você já chegou atrasado alguma vez?"
"Ah. Já, sim."
Isso era surpreendente, considerando que ele dormiu a aula inteira ontem. Ele provavelmente anda muito ocupado com o trabalho como modelo.
Enquanto eu pensava nisso, Arisugawa ajeitou calmamente os cabelos negros.
Takaoka inclinou a cabeça, confuso, e finalmente Arisugawa explicou:
"Eu não ligo muito para essas coisas de atraso."
"Hahaha. Continua indiferente com o que não te interessa, né?"
"…É o meu jeito."
Do lado de Takaoka, outro aluno virou para nós — Yumesaki, com seus cabelos vermelhos soltos, sorrindo com um ar meio provocador.
Segundo Arisugawa, eles eram da mesma sala no ano passado.
Sim, a atmosfera era boa. Como eu já tinha ouvido, não parecia existir hostilidade real entre as três grandes facções. O que…
Me fez congelar por um instante.
Será que estava tão na cara assim que até alguém que mal me conhecia percebeu?
"Sendo assim, você não lembra do meu nome, Sanada? Ei, a gente até conversou ano passado no festival esportivo!"
disse Takaoka, dando tapinhas amigáveis no meu ombro.
Eu me embananei, mas consegui responder com um sorriso sem graça:
"Haha… é…"
"Tá vendo? É por isso que só eu lembro o seu nome — por pouco."
Arisugawa me salvou. Mas sinceramente, ele poderia ter avisado antes…
"Quase tão famoso quanto um modelo, né? Então é natural que ninguém lembre de mim ou do Yumesaki, haha."
"Não me compara com esse cara!" Yumesaki protestou.
"Isso é cruel… quase choro."
Quando Yumesaki respondeu, Takaoka abaixou a cabeça dramaticamente, mas logo um outro aluno o chamou:
"Monitor do corredor hoje! Apaga o quadro! É a Sawa-sensei na próxima aula, cê vai levar bronca!"
"Oops, já vou!"
Takaoka sumiu na mesma hora. Ele realmente era do tipo que vai e volta sem aviso.
Yumesaki também parecia não querer continuar a conversa, então começou a mexer na mochila.
"Acho melhor eu me preparar também."
A sala estava animada, típica pausa entre aulas.
… Aquilo me trouxe uma estranha nostalgia. Eu não lembrava do Takaoka, mas a atmosfera… era reconfortante.
Enquanto eu me deixava levar por essa sensação, Arisugawa se inclinou para mim e sussurrou:
"Aqui."
Um perfume suave invadiu meu nariz — e instantaneamente um flash cruzou minha mente:
— lábios macios.
O beijo repentino no quarto do hospital.
Tensei por reflexo, mas felizmente, ele não repetiu aquilo. Em vez disso, murmurou:
"Viu? Ninguém acredita realmente na história de amnésia. Mas… por favor, não faça aquilo de novo. Quase matou meu coração."
"Matou… seu coração?"
"É uma metáfora, idiota!"
Arisugawa riu alto. E quando eu ia responder, aconteceu:
Uma silhueta familiar apareceu no corredor.
Uma garota de cabelos dourados.
Asuka.
A amiga de infância. Minha namorada.
Vários garotos pararam o que estavam fazendo para observá-la.
"Uau, isso é raro!", murmurou um.
"Ela veio até aqui… incrível."
Claro.
— As três líderes das facções estavam no mesmo lugar.
Asuka caminhou firme até nós, olhando alternadamente para mim e Arisugawa.
"Desculpem, posso falar com vocês um instante?"
Ela disse isso para nós dois. Arisugawa piscou devagar, depois encarou Asuka.
Meu coração disparou. De repente, fiquei completamente tenso.
O problema das facções era irrelevante naquele momento.
Afinal, as duas são…
"Oi, Asuka-san. Precisa de algo?"
A voz dela estava um tom mais fria que o normal. Eu engoli seco.
"Saki…"
"O que foi? Ah, você finalmente decidiu virar—"
"…Yuki, pode vir comigo? Preciso te levar para conhecer a Yukawa-sensei."
demorou alguns segundos para eu entender que Asuka estava falando de Arisugawa — e que Yukawa-sensei era a professora mencionada ontem.
Era para eu ter chegado mais cedo e me apresentado… mas dormi demais.
Eu teria que pedir desculpas para Asuka e para a professora depois.
Mas agora, algo mais urgente estava acontecendo: como elas iriam interagir?
Para minha surpresa, Arisugawa falou com leveza:
"Então eu também posso ir. Somos da mesma sala, afinal."
"Não, não precisa. Já que você é da mesma sala, Saeki, passe as anotações para o Yuki. Talvez demore um pouco."
Crack.
Uma fissura invisível se abriu entre as duas.
"Uh… alô?"
tentei intervir. Fui completamente ignorado.
Arisugawa piscou lentamente. Um sorriso malicioso surgiu.
Eu sabia que algo ruim estava prestes a sair da boca dele.
Tossei alto — bem alto.
Arisugawa me lançou um olhar enviesado… e suspirou.
"… Tá, tá. Vai lá então. Toma cuidado, Asuka."
"Obrigada. Yuki, vamos."
"Sim!"
A verdade era clara:
Eu precisava manter as duas afastadas dentro do campus. Principalmente… na minha frente.
◆◇
"E então, Asuka, te chamaram para ser modelo pela Arisugawa. Que incrível!"
"…"
Mais uma vez, ela simplesmente me ignorou. Como se eu nem estivesse ali.
"Asuka-san…?"
Chamei hesitante. Os olhos dela estreitaram — e eu estremeci.
"V-Você disse que não se importava se eu conversasse com outras pessoas!"
"Nunca disse isso!"
"Disse sim!"
Tentei relembrá-la da conversa de ontem, mas Asuka fingiu não saber de nada com convicção absoluta.
Mas havia algo mais por trás disso.
"Não me importo… mas me incomoda."
"Isso não é basicamente… o extremo do ciúme?"
Asuka parou, se encostou na parede e ajeitou a franja. Esse gesto levemente desengonçado… era exatamente ela tentando se acalmar.
"Se eu te priorizo, não me importo. Mas quando vejo acontecendo bem na minha frente… fico irritada. É saudável para uma namorada, não acha?"
"Não, não acho ruim, chefe. Entendido!"
"Chega disso! Vamos logo!"
Ela se afastou da parede e acelerou o passo. Não dava para saber se estava feliz ou irritada.
O perfume do cabelo dela balançando… bom, isso definitivamente não era hora de comentar.
Então mudei de assunto:
"Falando nisso, como é a minha professora responsável? Eu só falei com ela pelo telefone…"
Asuka respirou fundo e deu uma resposta séria dessa vez:
"Não acho que seja uma professora ruim. Ela até conversou comigo sobre quem deveria cuidar de você. Já mostra que se preocupa."
"Entendo… parece uma boa professora."
"Mostra mais empolgação. Ou quer que eu continue no assunto anterior?"
"Não! Não quero!"
"Cabeçudo."
Ela riu enquanto subia a escada. Quase vi demais naquela subida, então desviei o olhar.
E continuei:
"Mas sério… ter alguém pra me ajudar é reconfortante. Foi assim no hospital. E anteontem você limpou meu quarto — até os lugares cheios de poeira que eu nem percebia."
"Viu? E também cozinhei pra você antes de limpar."
"Você queimou tudo."
"Esquece isso!"
Asuka fez um biquinho e virou o rosto. Então trocou de assunto.
"Ah, sim, sobre a professora. Ela também é conselheira do seu clube."
"Clube? Eu estava em um clube?"
Mais uma revelação sobre mim mesmo. Asuka assentiu casualmente.
"Sim. Clube de futebol. Então ela tem um lado rígido."
"Ugh… soa difícil."
Soltei um grunhido automático e Asuka riu.
"Que barulho foi esse? Não se preocupa, o foco do olhar dela sou eu. Sempre fui."
"Hã… mas você não é… a líder da facção?"
"Você só queria dizer ‘facção’, né? Mas aqueles grupos eram só brincadeiras depois da confusão do OG. Nem existem de verdade. Eu DETESTO isso."
"Haha… bom, faz sentido parecer legal. Mas escolhida por quê? Fez algo?"
Ela fez bico.
"Que rude. Eu não fiz nada. Só porque meu cabelo é mais claro… ou porque deixo o segundo botão aberto."
"Ah, então é razão disciplinar."
O vento entrou pela janela e balançou o cabelo dourado dela. Diferente do hospital, na escola a cor se destacava muito.
Sem dúvida… para alguns professores seria um alvo fácil.
Asuka percebeu meu pensamento e enrolou mecha do cabelo entre os dedos.
"Será que devo pintar de preto de novo…? Não sou contra."
"Não, tá ótimo assim. Combina com você."
Ela arregalou um pouco os olhos — e pareceu genuinamente feliz.
"Muito obrigada."
"Por que tá tão humilde de repente?"
"N… não é nada. Só fiquei feliz, só isso."
"Isso DEFINITIVAMENTE não é ‘nada’! Para de ficar fofa assim!"
Ela riu.
"Ok, admito. Eu exagerei antes. Vou tentar ser mais madura."
O sorriso leve dela me aliviou.
E conforme seguíamos pelo corredor do prédio oeste, percebi algo:
Eu não sabia quase nada sobre meu passado…
Mas se recuperar minhas memórias significasse aliviar o coração dela… então queria tentar.
Depois de alguns minutos, paramos.
Uma placa: “Sala dos Professores.”
"Chegamos!" — Asuka disse, sorrindo triunfante.
"Oh — e desculpa por ter chegado atrasado hoje."
Ela riu:
"Só agora que você diz isso?"
"Não ia pedir desculpa bem na porta da sala dos professores…"
Fiquei pensando no que seria uma desculpa melhor, mas não consegui formular nada.
"Hahaha. Essa cara está impagável. Vamos ver se funciona com a Yukawa-sensei também."
"ESPERA! Me dá dois segundos pra bolar uma desculpa decente!"
Entramos.
Entre as mesas, uma professora acenou para nós — a mesma de ontem na aula.
O cabelo ondulado até os ombros, uns vinte e poucos anos. Firme, elegante.
"Sanada-kun, faz tempo. Você passou por muita coisa, hein."
Ela me deu um tapinha no ombro — e não uma bronca, como eu esperava.
"N-Não foi tanto assim…"
"Ele se faz de forte, sensei. Mas foi difícil para ele."
Asuka disse isso como se me conhecesse desde sempre. Bem… ela realmente conhecia.
Yukawa-sensei sorriu com pena e ficou séria de novo.
"Seu pai me contou tudo. Haverá momentos difíceis, então serei flexível quanto à frequência e afins. Se sentir qualquer mal-estar, vá ao hospital sem hesitar."
"Sim. Obrigado, sensei."
…Meu pai, né? Como será que é a relação entre nós?
